Inteligência emocional define os jogadores de futebol

Quando falamos em futebol e sobre quem foram os melhores jogadores em várias épocas, em algum momento da conversa o nome de Romário será citado. Igualmente, junto com o nome, vem também toda a habilidade e confiança que esse jogador tinha no seu potencial. No entanto, o que alguns enxergam como arrogância ou até marra, é visto atualmente pela ciência do esporte como um alto nível de clareza de objetivos e de inteligência emocional.

Sendo assim, no ano de 1993, meses antes de o Brasil embarcar para os Estados Unidos, país sede da Copa de 1994, a seleção brasileira de futebol se via em um momento complicado para a sua classificação. Na última rodada, uma vitória em cima do Uruguai era necessária, e Romário fez uma de suas atuações memoráveis, marcando duas vezes e garantindo nossa vaga em mais uma copa. 

Inteligência emocional
Reprodução: Ben Radford /Getty Images

Porém, como Romário e diversos outros jogadores de futebol conseguem lidar com a pressão da imprensa, torcida e das situações adversas? Por que alguns jogadores em momentos de decisão não conseguem performar em alto nível e acabam falhando? 

Então, é o que vou te mostrar neste texto.

Performance e Inteligência

Para começarmos a entender essa diferença de resultados, precisamos antes entender performance e inteligência.

Performance é a capacidade de colocar em prática com eficácia a habilidade que se tem treinado. Jogadores de futebol, como sabemos, têm uma rotina ocupada com treinos físicos, testes médicos, rodadas táticas e exercícios com e sem a bola rolando. É visível que jogadores nas mais diversas posições apresentam níveis diversos de habilidade e intimidade com a bola

Isso porque cada posição requer um grau maior ou menor de complexidade na performance. Zagueiros podem ser vistos como os destruidores do processo criativo do ataque adversário. Podemos concluir que a necessidade de serem exímios chutadores a gol é menor. Por outro lado, meias ou meia-atacantes têm como função a criação de jogadas, cobranças de faltas e tiros de média e curta distância ao gol. Dessa forma, a performance desses jogadores tem uma parcela da especificidade da posição e uma parcela do talento de cada um.

O que nenhum dos dois pode abrir mão é da inteligência para fazer sua performance encaixar com o objetivo do time. Não é proibido, porém, não vemos em todas as partidas zagueiros se aventurando a criar jogadas no ataque. Da mesma forma, os meias não necessariamente estarão compondo a defesa de maneira tradicional.

Sabemos que a tática no futebol é fluida e o que foi dito acima não é regra, mas nos serve como exemplo de como a inteligência é fundamental para uma performance excelente dos jogadores.

Vou definir inteligência aqui como a eficácia com a qual conectamos nossas ideias. 

Essa eficácia é responsável pelas jogadas criativas que vemos acontecer durante as partidas. Boa parte do sucesso de uma jogada ensaiada depende disso. Tanto no ataque como na defesa. 

Ronaldinho, o bruxo

Ronaldinho Gaúcho ficou famoso pelo seu talento incrível e pela sua sagacidade. Quem consegue esquecer suas inovadoras cobranças de falta rasteiras, que antecipavam o pulo da barreira e faziam a bola morrer no fundo das redes com classe?

Ronaldinho surpreende com falta por baixo — Reprodução: Globo.

Como resultado disso, vimos também surgir um movimento de jogadores que começaram a deitar-se atrás da barreira e evitar que isso ocorresse. Ação e reação. Longe de definirmos isso como um efeito físico acidental. Esse é o padrão que os melhores atletas desenvolvem.

Diferente do que o senso comum exalta por aí erroneamente, essa inteligência não é somente algo natural para os jogadores, mas sim uma habilidade desenvolvida.

A psicologia cognitiva define-a como Inteligência Emocional.

Inteligência Emocional

Nosso potencial de criatividade, nosso poder de previsão, a habilidade de visualizar e pensar sobre cenários futuros tanto positivos quanto negativos, têm sido fundamentais no esporte moderno. O nível de talento, treino físico, tático e técnico cresceu muito no futebol mundial, e ser apenas habilidoso com a bola não é mais o único requisito para o sucesso. Longe disso.

Jogadores considerados os melhores do mundo já fracassaram em diversas equipes que competem em alto nível. Podemos lembrar de dois exemplos disso, que mostram o que pode acontecer quando inteligência e performance são negativas: 

  1. o desempenho da seleção brasileira no 7×1 contra a Alemanha;
  2. o desempenho dos jogadores brasileiros na final de 98 contra a França.

O 7×1 e a Copa de 98

Nas duas partidas, o Brasil enfrentou seleções de alto nível tático e técnico, que certamente equiparavam-se ao nível da nossa seleção.

O que podemos notar, em retrospectiva, é a falta de controle emocional dos nossos atletas em situações adversas.

No primeiro caso, a pressão de vencer uma copa do mundo em casa, a perda de Neymar na partida anterior contra a Colômbia, e a surpresa de tomar um gol no início da partida foram golpes duros no campo, mas principalmente na mente dos nossos atletas.

Na final de 98, não foi diferente. Talvez o choque tenha sido maior por tudo o que aconteceu com Ronaldo, nosso melhor jogador na ocasião. Nunca vou esquecer quando, já no segundo tempo, a França ganhando por 2×0 começava a catimbar. Numa das quedas de Zidane, Rivaldo, inebriado pela onda Fair Play iniciada naquela copa, coloca gentil e lentamente a bola para fora, e provoca no colega Edmundo uma ira que divide opiniões até hoje.

Reprodução: Globo Esporte.

Seria aquela a melhor decisão no momento do jogo? Quem estava fora de controle? Edmundo imbuído pelo espírito da virada? ou Rivaldo resignado pelo placar desfavorável e derrotado antes do jogo acabar?

A resposta fica para a torcida. O caos mental foi geral e nas duas situações perdemos para equipes melhor preparadas técnica e emocionalmente.

O que a ciência nos diz?

De acordo com o premiado cientista Daniel Kahneman, nosso cérebro pode ser dividido em duas partes. Uma dessas partes está localizada em uma região inferior e, dessa forma, processa dados em nível emocional e subconsciente. Comparando nosso cérebro ao microchip dos computadores, chegou-se a conclusões interessantes para o nosso estudo. A área emocional do nosso cérebro processa em torno de 11 milhões de bits de informação por segundo. 

Na outra metade, chamada de área cognitiva e consciente, ligada portanto ao que conseguimos (re)conhecer, conseguimos processar somente 40 bits de informação por segundo. 

Portanto, a maior parte do que vivenciamos é absorvida emocionalmente por nós e pouco processada pelos nossos pensamentos. Isso não significa que iremos agir somente pela emoção, muito pelo contrário, mas deixarmos de levar essa enorme parcela de estímulo em consideração também me parece pouco inteligente.

Sendo assim, a inteligência emocional nos permite conectar com esses dados de informação, emoções, situações, para então lermos eles e transformá-los em recursos estratégicos a nosso favor.

Pela ciência, também sabemos que as emoções precedem a cognição em uma velocidade 5 vezes maior. Ao analisarmos a velocidade com a qual estímulos emocionais entram em nosso cérebro, percebemos que eles levam em torno de 8 milissegundos, ao passo que levam 40 milissegundos para serem recebidos na área cognitiva do cérebro.

Portanto, muito antes de conseguirmos entender o que acontece ao nosso redor, já temos um sentimento e uma ação para responder à situação. Nesse contexto, isso explica nossa impulsividade para responder a uma afirmação que nos atinge emocionalmente com muito fervor e, com certeza, explica um passe errado, um pênalti mal batido e uma apatia frente ao resultado desfavorável. 

O impacto da inteligência emocional na alta performance

Segundo o psicólogo Daniel Goleman (autor do best-seller Inteligência Emocional), nas situações acima, ocorre o chamado sequestro da amídala cerebral. Essa estrutura tem como função integrar as emoções com os padrões de resposta correspondentes a elas. Da mesma forma, nos exemplos acima, temos uma reação emocional exagerada diante de uma ameaça não real, mas que, por padrão evolutivo, pode ser ativada em momentos de tensão, e para um jogador de futebol, o momento de cobrar um pênalti pode ser extremamente angustiante.

Para o atleta profissional, performar em alto nível está diretamente ligado ao quanto de inteligência emocional ele possui. Em esportes coletivos, a liderança, a criatividade, a capacidade de gerir o stress das competições, lesões e pressões externas são algumas das habilidades mais valiosas.

Portanto, pensando em liderança, um nome que se destaca no futebol é o de Cristiano Ronaldo. O que o diferencia dos demais além da incrível qualidade técnica da sua performance em campo?

Com certeza a habilidade de foco aliada a uma compreensão de seus objetivos de carreira e sua crença inabalável na evolução pessoal e coletiva. 

Conforme as pesquisas publicadas no Journal of Sports Sciences descobriram que os atletas olímpicos de sucesso têm um alto grau de autoconfiança, são capazes de bloquear as distrações, gerenciar seu nível de excitação, são orientados a objetivos e demonstram uma forma saudável de perfeccionismo.

CR7 e a Euro de 2016

Posteriormente, essas qualidades ficaram evidentes em Cristiano Ronaldo durante uma partida duríssima na Eurocopa de 2016. A semifinal contra a Polônia – do atual melhor jogador do mundo Lewandowski – terminou em empate, o que levou a uma prorrogação e pênaltis. 

Logo, durante o descanso pré cobranças de pênalti foi possível ouvir a conversa de Cristiano Ronaldo com seus colegas, em especial uma fala direcionada ao meia João Moutinho, que hesitava em aceitar ser um dos cobradores. Contudo, é importante lembrar que Moutinho tinha sua confiança abalada após perder um pênalti na Euro 2012 numa decisão contra a Espanha. 

Ainda assim, Ronaldo fala em alto e bom tom que o atleta bate bem, treinou bastante e que, se perderem, ao menos fizeram o melhor. Ele exalta a personalidade do colega e declara plena confiança nele. O resultado todo mundo conhece: Portugal venceu e todos os seus jogadores acertaram naquele dia.

Inteligência emocional garantiu a Euro de 2016 para Portugal,
CATHERINE IVILL – AMA/GETTY IMAGES

Por fim, os exemplos de sucesso da combinação entre inteligência emocional e alta performance multiplicam-se à medida que esta área do conhecimento é trazida para dentro do futebol. O desafio agora é produzir esta cultura dentro da esfera do esporte e qualificar os atletas ainda mais. Enfim, esse é um trabalho que o treinador mental executa com maestria e a cada dia este profissional se coloca lado a lado com outros gigantes da preparação de atletas. 

Para conhecer mais sobre o meu trabalho como treinador mental de atletas de alta performance ( inserir CTA adequado)

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